Pai, jogas comigo?
- Pedro Rodrigues

- 10 de nov.
- 3 min de leitura
O nascimento de um filho é um momento marcante. Altera muita daquela que é uma rotina estabelecida na vida de um adulto, para melhor, mas nem sempre. Para aqueles que fazem do videojogo uma prática comum, sabem que é possível estabelecer-se uma rotina que obedece a um conjunto de regras e de tempos necessários para se desfrutar de uma boa experiência de jogo.
E foi o que aconteceu a este pai. Com a chegada do seu filho, a sua rotina alterou-se e a felicidade aumentou. Assistiu ao desenvolvimento do seu rapaz e incutiu no seu descendente o mesmo gosto pelo videojogo. À medida que ia crescendo, filho e pai tornaram-se parceiros inseparáveis numa experiência que os unia como poucas outras o faziam. “Pai, jogas comigo?” “Claro filho, vamos a isso!”.
No entanto, a vida foi colocando vários desafios a este homem, alguns por vezes difíceis de superar. E ele sabia que podia sempre contar com o seu videojogo para lidar com as adversidades da vida. Um refúgio seguro no qual as mais duras emoções não tinham permissão para entrar, onde a competência para resolver problemas estava sempre equilibrada com o grau de desafio proposto, quando toda uma comunidade partilhava do mesmo interesse e com quem era tão fácil de conversar. “Pai, jogas comigo?” “Daqui a pouco filho, o pai está só a terminar um jogo e já vai.”
As dificuldades tenderam a persistir e o desespero não parou de aumentar. Nada parecia resultar a não ser o bom e velho videojogo, previsível e no entanto sempre com alguma novidade, rotineiro, prazeroso, relaxante e incrível. O tempo investido a jogar foi-se tornando cada vez mais prolongado, com menos tempo para as outras atividades do dia-a-dia. Se lhe perguntassem sobre quanto tempo tinha jogado, não sabia (ou será que mentia?), dando a noção que nenhuma noção tinha do tempo passado: “Pai, jogas comigo?” “Agora não posso, estou a meio de algo importante”.
O interesse pelo videojogo foi-se tornando dominante e os problemas nas outras áreas de vida foram-se intensificando: não há tempo para tudo! Mas em vez de diminuir, o videojogo foi conquistando cada vez mais tempo, sendo sempre cada vez mais difícil interromper o pai nas suas sessões cada vez mais prolongadas de jogo, e quando isso acontecia, uma explosão de raiva invadia o espaço entre o pai e todos os outros, repelindo-os, isolando-o: “Pai, podes jogar…” “Cala-te! Não vez que estou a fazer uma coisa importante? Agora não tenho tempo”.
E a pouco e pouco, as pontes que uniam o pai ao mundo foram-se desmoronando. Perdeu o emprego por chegar tantas vezes atrasado ou por estar tão sonolento por causa de ter jogado até horas tão tardias no dia anterior; os seus amigos deixaram de ligar, pois sabiam que nada tinham para oferecer que pudesse competir com a força magnética que o jogo tinha naquele homem; a família desmoronou-se, com um divórcio pedido por uma esposa que já não reconhecia o seu companheiro nas ações que praticava.
O tempo passou e o que inicialmente era um prazer controlado transformou-se num comportamento aditivo cujo tempo só por si não conseguiu sarar. A procura por ajuda profissional foi uma inevitabilidade, na tentativa de recuperar o que de tão essencial se tinha perdido. Retomou um emprego, reconectou-se com antigos amigos e encontrou um novo par amoroso com quem reconstruiu um afeto tranquilo. Mas, por vezes, nem todas as pontes se podem reerguer, nem todos os espaços podem ser preenchidos, nem todos os laços podem ser refeitos: “Filho, jogas comigo?.. Filho?.. Filho?”
Um videojogo pode ter inúmeras funções na vida de uma criança, jovem ou adulto: fonte de entretenimento, inspiração, ligação a outros, campo de competição, entre outras. Porém, uma utilização desregulada dos videojogos pode conduzir a trajetórias de dependência, em que os mesmos se podem transformar em experiências dominantes que ameaçam outras áreas de equilíbrio na vida de uma pessoa. Como tal, é fundamental estar atento a sinais de alerta que podem indicar uma relação problemática com videojogos, em relação aos quais a prevenção é o melhor remédio e a intervenção a melhor cura.
João Faria, psicólogo clinico (joao.faria@pin.com.pt)






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