Anime: o legado que Portugal nunca mais largou
- Pedro Rodrigues

- 13 de nov.
- 3 min de leitura

Qualquer adulto que goste, veja e tenha sido confrontado por outro por ver anime, deve saber o que é aquele momento em que se tenta explicar “anime não é só desenhos animados” ou “por ser uma animação não significa que seja para crianças”. Talvez, antes de discutir porque é que, por exemplo, Attack on Titan não é apropriado para crianças, poderá fazer sentido fazer um flashback, digno de uma narrativa não linear como Baccano, e perceber como é que o anime chegou a Portugal e se tornou tão popular.
A história começa na década de 70 quando a RTP começa a transmitir animes kodomo (para crianças) como Heidi e Marco. Apesar de faladas em japonês e com legendas em português, as crianças adoravam-nas e os pais choravam com o Marco à procura da sua mãe. Este sucesso levou a RTP a decidir repetir as suas transmissões, mas, desta vez, com versões dobradas em português. Muitos pensavam que eram produções europeias por verem a Heidi a correr pelos Alpes ou o Marco a viajar dos Apeninos aos Andes. No entanto, sem nos apercebermos, a narrativa e estética da animação japonesa estava lentamente a infiltrar-se no nosso país.
Não obstante o seu sucesso, a importação do anime foi bastante contida durante os anos seguintes. A década de 90 levou Portugal à grande era de ouro, com uma explosão de animes na televisão, uma onda para a qual ninguém estava preparado. Em muito pouco tempo, a popularidade deste género cresceu, principalmente entre o público mais jovem, com todas as crianças a cantar «quero ser mais que perfeito, maior que a imaginação», ou a repetir de forma dramática o “Kemehameha!” do Son Gokū, ou a discutir as vitórias do Oliver Tsubasa a correr por campos de futebol aparentemente infinitos. Quem nunca cantarolou a música de Pokémon que atire a primeira pokebola!
Assim, nasceu uma nova geração de fãs anime e, pela primeira vez na história, ser um “geek” ou “nerd” de anime deixou de ter uma conotação depreciativa e passou a ser visto como uma forma de identidade. Com a chegada da internet à maioria das casas dos portugueses nos anos 2000, o anime encontrou um novo espaço no mundo digital. Os episódios eram vistos com qualidade muito duvidosa e com buffering que testavam a paciência a qualquer um, mas nada disso interessava quando podíamos, no dia seguinte ao episódio ser lançado, discutir com os nossos amigos sobre as intenções questionáveis das personagens, repetir frases memoráveis que nos deixavam arrepiados e recordar lutas de cortar a respiração.
Hoje em dia, o anime já não é só para alguns, nem um interesse estranho ou um hobby escondido; é uma parte integrante das novas gerações de portugueses. Está na televisão, nas plataformas, nas estantes das lojas de entretenimento e até nas conversas entre pessoas que cresceram a ver Dragon Ball, mas agora veem e discutem Demon Slayer com os seus filhos. É uma herança passada geração em geração. As narrativas complexas, temáticas desafiantes que apelam ao existencialismo, identidade e consciência, bem como desenvolvimento psicológico profundo das personagens, encontram-se disfarçadas em olhos gigantes, cabelos coloridos e expressões exageradas.
Por muito que continuem a insistir que “isso são só bonecos”, nós sabemos a verdade: há mais sabedoria num episódio de vinte minutos de Hunter x Hunter, do que em muitas palestras académicas. E talvez, será por isto que mesmo 30 anos depois do boom dos pokémons, o anime se mantém presente. Entre lágrimas, risos e finais de séries ou temporadas que nos destroem emocionalmente, o anime em Portugal é muito mais do que entretenimento, é memória e cultura popular coletiva.
Sofia Scigliano, psicóloga clínica (sofia.scigliano@pin.com.pt)





Comentários